História Trágico-Marítima
Lê atentamente o excerto do capítulo V da História
Trágico-Marítima.
No dia que se seguiu ao da
partida dos corsários, mandou Jorge de Albuquerque coser uma vela com uns
tantos guardanapos e toalhas de mesa, que se acrescentaram a uma
velinha latina, do esquife1 dos
Franceses, que lhes ficara. De dois remos do batel fizeram verga2:
de uns pedaços da enxárcia3 que
restavam, de cordões de rede e de morrões4,
lograram5 improvisar um
arremedo6 de
enxárcia. Ao leme, que ficara dependurado por um só ferro, lançaram
umas cordas como bragueiros7 para
que pudesse servir por uns três dias.
Com este aparelho seguiram
viagem, lançando rumo pelo nascer do sol à falta de instrumentos de marear, que
todos lhes roubaram os Franceses.
A manobra da bomba
custava-lhes muito. Alguns, no meio dela, caíam no convés sem vista nos
olhos, de pura fome e cansaço.
Considerando isto, num dia de
calma e de mar chão8, rogou Jorge de Albuquerque a Domingos da
Guarda, marinheiro com fama de mergulhador, que visse se conseguia tomar
de mergulho uma parte da água que fazia a nau, já que era impossível
tomá-la por dentro, por ser muito em baixo que ela entrava; e prometeu que
lho pagaria muito bem. Ao querer o Domingos lançar-se à água, todos se puseram
de joelhos. Com três mergulhos, tomou o marinheiro a maior parte da água,
resultado com que todos se alegraram muito, por os poupar à necessidade de dar
à bomba.
Pouco lhes durou essa alegria.
No dia seguinte ao de se tomar a água voltou o nordeste a soprar
rijíssimo, com grandes vagas e com muito frio. Mal se aguentavam com os
balanços da
nau; as mesas da guarnição, por andarem
soltas, faziam uma matinada9 de mil demónios; as ondas
galgavam e invadiam tudo; e já o alimento chegava ao fim. Só três cocos se
distribuíam por dia, isto para cerca de quarenta pessoas.
Assim seguiam, ao sabor do
vento. Voltou a tortura de dar à bomba; vieram o desânimo e a fome
horrível. Jorge de Albuquerque, além dos trabalhos comuns aos outros – pois de
todos irmãmente partilhava ele – tinha ainda o cuidado de prover a tudo, e
o de comandar, consolar, animar os homens […].
“As
terríveis aventuras de Jorge de Albuquerque Coelho (1565)”. In Historia Trágico-Marítima.
Narrativas de naufrágios da época das conquistas (adaptação de António Sérgio),
2015. Capítulo V. Porto:
Porto
Editora (pp. 128-130) (1.ª ed.: 1735-1736)
1.
embarcação pequena; 2. pau
preso ao mastro do navio, onde se amarra a vela; 3. o conjunto dos cabos
fixos que, para um e outro bordo, aguentam os mastros reais; 4. pedaços
de corda, desfiados na extremidade para dar fogo às peças de artilharia; 5. conseguiram;
6. imitação, improvisação; 7. cabos com que se segurava o leme
quando se quebravam os ferros que normalmente o prendiam; 8. sem ondas; 9.
algazarra.
Apresenta, de forma bem estruturada, as tuas respostas ao
questionário.
1. Explicita, fundamentando, os momentos da estrutura interna do texto.
2. Enumera as desventuras sofridas pelos marinheiros após a partida dos
corsários franceses.
3. Apresenta, recorrendo a elementos textuais, dois dos traços de carácter
de Jorge de Albuquerque evidenciados no excerto.
Sem comentários:
Enviar um comentário